O Brasil penaliza aqueles investidores que assumem o risco em ações e trata muito bem aqueles que financiam a dívida pública
Por Josilmar Cordenonssi Cia – SP
Os jornais estão dando destaque ao segundo recorde do Ibovespa nesta semana, que fechou o dia 15 de maio em 139.334 pontos, refletindo uma alta de 15,84% no ano. Ao mesmo tempo, os principais índices de ações dos EUA ficaram próximos a zero, o S&P500 subindo apenas 0,60% e o Nasdaq caindo 1,03%.
Apesar de erradas, estas comparações são feitas cotidianamente. Esses índices são calculados em moeda local: o Ibovespa em reais e os indicadores americanos em dólar, naturalmente. E neste período a cotação do dólar caiu 9,04%, de R$ 6,19 para R$ 5,63, de acordo com a cotação de venda do PTAX do Banco Central (BC).
Assim, fazendo as comparações nas duas moedas, o Ibovespa subiu 15,84% em reais e 27,34% em dólar neste ano. No mesmo período, os índices americanos caíram 8,49% (S&P500) e 9,97% (Nasdaq), por conta da valorização do real.
Por qualquer ângulo que se veja, o desempenho do Ibovespa foi surpreendente, especialmente quando lembramos o pessimismo que tínhamos com relação às perspectivas econômicas no final de 2024. Vale destacar que, quem investiu em LFT (Tesouro Selic) obteve uma rentabilidade de 4,64% em reais e 15,03% em dólar. Nada mal para um “ativo livre de risco”.
Isso tudo mostra como a realidade pode mudar rapidamente, abalando os pressupostos (convicções?) que usamos para traçar cenários. A questão que fica é: Estas mudanças são transitórias ou permanentes?
Para isso, é interessante ter um olhar de mais longo prazo. No gráfico abaixo, podemos observar a evolução do Ibovespa desde o início do Plano Real, quando este índice estava cotado a 3.623,20 pontos. O gráfico retrata a situação de um investimento de R$ 3.623,20 na carteira do Ibovespa e o mesmo valor em LFT.
Apesar do recorde do Ibovespa, o Brasil vai na contramão dos manuais de finanças que dizem que os ativos mais arriscados (ações) tendem a dar um retorno maior que os ativos de menor risco (renda fixa). E aqui estamos comparando com o ativo considerado de menor risco.
Ou seja, o Brasil penaliza aqueles investidores que assumem o risco de investir em ações e trata muito bem aqueles que financiam a dívida pública. O Estado brasileiro, além de impor uma carga tributária muito elevada em comparação com outros países, faz uma concorrência desleal com o setor privado na busca por capital para financiar os seus gastos, que têm um padrão de qualidade bastante discutível. Este gráfico, no fundo retrata o ambiente hostil aos negócios no Brasil.
O gráfico abaixo mostra os mesmos ativos, mas em dólares. Aí podemos ver que o pico do Ibovespa foi em 2008, um pouco antes da quebra do Banco Lehman Brothers, estopim da grande crise financeira internacional causada pelos ativos “sub-prime” lastreados em hipotecas imobiliárias.
Nesta época, os mercados americanos e europeus não iam muito bem, mas a economia e os ativos brasileiros se beneficiavam de um forte crescimento da demanda chinesa por produtos brasileiros. O governo mantinha uma política econômica fiscalmente responsável e o Brasil conseguia crescer e distribuir renda.
Hoje, apesar de estar no pico em reais, o Ibovespa precisa quase dobrar em dólares para superar o pico anterior de 19 de maio 2008.
De lá para cá, os gastos com a previdência social não pararam de subir, acabando com a série de superávits primários desde 2014. Demoramos para fazer a reforma e ainda apostamos em um crescimento baseado na expansão dos gastos e transferências governamentais, com inúmeros créditos subsidiados, que fizeram a dívida subir e a economia a sofrer a pior recessão da história (2014-2016).
O próximo gráfico coloca em perspectiva a evolução dos ativos brasileiros em relação aos principais índices americanos em reais, na perspectiva de um investidor brasileiro.
Se o Ibovespa está em 139.334,38 pontos em reais, investimento reajustado pela Selic estaria em 139% acima do Ibovespa e os índices americanos 95% (S&P500) e 297% (Nasdaq) acima do principal índice de ações do Brasil.
Apesar desse desempenho ruim, o Ibovespa, ao longo de todo o período ficou para trás do S&P500 apenas na época da pandemia, quando as big techs começaram a ter uma participação de até 25% do índice. Não há empresa desse tipo na economia brasileira.
Portanto, o que está muito fora do normal não é o desempenho do Ibovespa, mas a taxa de juros. Investir em ativos indexados à Selic deu um retorno 22% superior, em média, à carteira das 500 maiores americanas!
O Nasdaq “ganhou” da Selic, teve um retorno médio 66% superior, mas tendo um risco muito maior.
Muitos analistas dizem que o investidor brasileiro é conservador. Esse aparente conservadorismo não é dos investidores, mas do ambiente de negócios e de investimentos que nós temos no Brasil. Enquanto as contas públicas não estiverem controladas, a dívida em trajetória de queda, ou pelo menos crescendo menos que o PIB, de forma sustentável, a Selic não vai cair para níveis civilizados e o melhor é ficar em títulos públicos.
O pior é que com este nível de taxa de juros não há investimentos em atividade produtiva, que geram empregos e crescimento econômico. Investir no Brasil é um ato de extrema coragem.
(Josilmar Cordenonssi Cia, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie)