De um lado, um governo que se elegeu com as pautas de defesa do meio ambiente, de outro cede a interesses econômicos
Por Clarice Binda – DF
O Brasil se prepara para sediar, em novembro de 2025, a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em Belém, no coração da Amazônia. O evento representa uma oportunidade histórica para o país reforçar sua liderança nas negociações climáticas globais e reafirmar o compromisso com a transição energética e a preservação ambiental.
No entanto, ao mesmo tempo, o governo federal vem enfrentando duras críticas — internas e internacionais — por várias ações que vão de encontro ao objetivo da COP: insistência na exploração de petróleo na chamada Margem Equatorial, uma das áreas ambientalmente mais sensíveis do país, e a tramitação de projetos de lei, sem grande oposição da bancada do governo, que facilitam a devastação do meio ambiente, como o PL 2.159/2021, que altera significativamente as regras de licenciamento ambiental, sendo apontado por especialistas e organizações ambientais como o maior retrocesso na legislação ambiental brasileira em décadas, sendo, por isso, apelidado de “PL da Devastação”.
A Margem Equatorial se estende do estado do Amapá ao Rio Grande do Norte e é considerada promissora em termos de reservas de petróleo, passando pelos Lençóis Maranhenses, reconhecido, desde o ano passado, pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade, que valoriza sua beleza natural, a importância geomorfológica e a conservação da biodiversidade da região.
Apesar de o presidente da República vir defendendo abertamente a exploração da região como uma medida estratégica para o crescimento econômico, a tese encontra forte resistência da sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que tem feito alertas contundentes sobre os riscos da exploração em áreas próximas à foz do rio Amazonas, na mesma linha do Ibama — autarquia ambiental vinculada ao Ministério do Meio Ambiente — que já se manifestou, em 2023, negando à Petrobras uma licença para estudo para exploração na região, alegando ausência de estudos conclusivos suficientes sobre os impactos ambientais.
O cenário revela uma grave contradição: de um lado, um governo que se elegeu com as pautas de defesa do meio ambiente e do clima e quer(ia) se afirmar como liderança ambiental global; de outro, o mesmo governo cede a interesses econômicos imediatos e pressões regionais por “desenvolvimento”.
A realização da COP30 na Amazônia, nesse contexto, joga luz sobre essa ambiguidade. Como um país pode ao mesmo tempo defender uma transição energética justa enquanto insiste na expansão da matriz fóssil?
A tensão entre preservação e desenvolvimento se agrava com declarações públicas do presidente Lula, que chegou a cobrar esclarecimentos da ministra Marina Silva e do presidente do Ibama sobre as travas à liberação de licenças ambientais em projetos de infraestrutura. Em fevereiro deste ano o presidente chegou a criticar o Ibama por falta de aval para explorar petróleo na Foz do Amazonas: “É um lenga-lenga, parece contra o governo”.
Enquanto isso, a ministra Marina Silva pede apoio da sociedade para barrar “a boiada das boiadas”. Não foi à toa que Marina foi alvo de violência política de gênero no Senado Federal, no último dia 27 de maio, quando compareceu como convidada à Comissão de Infraestrutura para prestar informações sobre estudos para criar a maior unidade de conservação marinha do país, na Margem Equatorial, no litoral Norte do Amapá, exatamente a região onde a Petrobras pretende realizar estudos para a produção de petróleo.
Com os olhos do mundo voltados para Belém em 2025, a coerência entre palavra e prática será o verdadeiro teste de liderança climática para o país, e um ponto decisivo para o futuro do planeta.