O fascismo destrói os espaços políticos, a emancipação e a autoeducação política. Não convém ao fascismo o “fazer-se política”
Por Vinício Carrilho Martinez e André César Pereira
A política somente se efetiva na “Festa da Democracia”, na Ágora, na polis, na praça pública ocupada e lotada pelo povo – especialmente o povo pobre, negro e oprimido –, brandindo suas demandas, lutando pelo reconhecimento de seus direitos, com suas bandeiras que tremulam a emancipação. Somente nessa praça pública popular há politização – e antes de ali se chegar, com as reflexões, sua autoeducação política para a descompressão que só pode se ampliar em espaços de convivência democratizados pela inclusão, diversidade, tolerância, pluralismo político.
Fora disso reina o fascismo e a despolitização, uma vez que se impõe pelo medo, violência e mentiras, ideologias destrutivas. Muito do que se vê hoje, por sinal.
Portanto, está redondamente equivocada uma tese surgida nesses tempos pós-modernos, ao aplicar-se a um senso comum derivado de um erro conceitual: o fascismo não politiza as massas, ao contrário disso, despolitiza ao atacar frontalmente a política.
Se a polis é o espaço público atualizado, onde o ser social se converte em “animal político”, ao deslegitimar a política, o fascismo destrói os espaços políticos e, por óbvio, qualquer possibilidade ou chancela de emancipação e de autoeducação política para a descompressão.
Se o fascismo se institui (e age) em conformidade com o dominus (dominação baseada na opressão), e se a política é o lugar da afirmação da condição humana – fazer-se política” –, então, ao retirar validação, deslegitimar, propor a destruição da política, o fascismo tem o único objetivo da despolitização – e que, em essência, equivale à desumanização.
Também apelidada de alienação (massificação), as massas na pós-modernidade estão cada vez mais distantes da coisa pública, dos espaços democráticos – onde seriam propostas as pautas de liberdade, inclusão, reconhecimento da práxis política, da transformação individual e social.
Alienadas, quer dizer, retiradas da cena política que debate, institui, promulga políticas (ou dominação legítima), “retiradas de si”, desumanizadas, as massas pós-modernas são constantemente os alvos da despolitização.
Sob o Fascismo, simplesmente, a política não é mais o eixo, o centro, a convergência da própria condição humana, onde se legitimam todas as formas de afirmação do Humano, quer dizer, tudo que se faça pela Política; em seu lugar ocupa-se o consumo, o entretenimento, a massificação.
Não convém ao fascismo o “fazer-se política”, pois o requerimento por mais humanidade (emancipação) insurge-se contra as formas de negação, alienação (“tirar de si”), opressão.
Em suma, se a política inclui os sujeitos (individuais e coletivos) no processo de sua libertação, construção da consciência social e individual (autoeducação política), da incessante luta pela emancipação, isto ocorre em meio à inclusão do humano na política, a sua negação (pelo fascismo), portanto, só pode acentuar a negação, a exclusão, a suspensão da validação dos espaços públicos democráticos em que a cidadania possa se expressar e agir por ainda mais espaços de “realização de si” (reconhecimento e afirmação dos processos de humanização); o fascismo, efetivamente, não politiza.
A lógica simples nos leva à obrigatória conclusão de que o fascismo despolitiza as massas: exemplo mais claro disso é o senso comum afirmar que “todos os políticos são iguais”, pois, todo ser social é político, faz política.
Enfim, se a política é o “local preferencialmente público”, em que há a fluência do “fazer-se política” – fazer-se pela política, fazer-se em meio à política, fazer-se por meio da política (práxis) –, ao revés disso, o fascismo se afirma pela incursão de mecanismos, ações que possam agir contra a politização (afirmação da humanidade: o “fazer-se política”), contra a emancipação (conscientização de si e da classe social), contra a liberdade – sendo a mais básica instância de afirmação da igualdade – e contra a humanização.
Enfim, o fascismo despolitiza ao máximo, nos distancia o mais que pode da condição humana, que é a transformação do ser social em animal político consciente e emancipado.
A política se define pela capacidade de decisão, antagonicamente ao fascismo que aliena para castrar a emancipação. Assim, o resultado só pode ser a obstrução da ação/realização política, a despolitização.
Se o fascismo destrói a práxis política (ação transformadora que se inicia na reflexão), apela para o fechamento de instituições republicanas e democráticas (Legislativo, a “Casa do Povo”, instituição de ocorrência da democracia representativa), ao golpe civil e/ou militar, a quebra institucional, ou golpe à Constituição, “intervenção militar” (ou divina e sideral), uso de um “Poder Moderador”, e se se institui por meio da corrupção da própria política (e dos fechamentos dos canais de profusão das requisições populares), é evidente que o fascismo não propõe a emancipação; ao passo que a política vigora onde se manifesta e repercute a emancipação política e a afirmação humana.
Afinal, o objetivo da política é instruir e elevar (do indivíduo ao ser social e deste ao “animal político”), em oposição (de antagonismo) ao fascismo que propõe destruir e amalgamar, condicionando seres indiferentes, em “efeito manada”, em indivíduos despolitizados (“analfabetos políticos”).
Por fascismo, leia-se extrema direita, extremadura da direita, neofascismo, necropolítica, necrofascismo (Martinez, 2021) e qualquer gênero autocrático que tenhamos em 2024 e nos próximos anos.
Referência – MARTINEZ, Vinício Carrilho. Necrofascismo. Curitiba: Brazil Publishing, 2021.
(Vinício Carrilho Martinez é cientista social e André César Pereira é cientista político)