Texto de Barbara Wesel
O que se viu deu vontade de jogar gritando o computador pela janela. O Parlamento Europeu demonstrou constrangedora fraqueza durante a audiência do chefe do Facebook, Mark Zuckerberg. Em vez de perguntas precisas e difíceis sobre proteção de dados, influência em eleições, fake news, bullying e evasão fiscal, o que se viu foi um desfile de vaidades.
A maioria dos deputados se comportava como pavões na passarela e gastou o pouco tempo disponível para falar asneiras em vez de fazer perguntas. Desse jeito não se pode esperar nada quando os europeus resolvem questionar atores internacionais. Essa audiência foi uma chance desperdiçada e um motivo para sentir vergonha alheia.
Pedir desculpas se tornou fácil para o criador do Facebook. Ao longo da última década, a rede social construiu um monopólio da troca de informações privadas. E toda vez que a coisa fica séria, quando abusos se tornam públicos, Zuckerberg veste terno e gravata e diz: “Desculpem, foi sem querer. Vamos melhorar.” Nessa hora, ele faz cara de inocente e gosta de falar sobre os primórdios do Facebook em sua moradia estudantil.
Só que esse homem já é, há muito tempo, multimilionário e sabe exatamente o que faz. Seu modelo de negócios é a venda de dados privados. E mesmo que ele prometa que vai eliminar os abusos: os lucros do Facebook dependem da venda de propaganda cada vez mais invasiva e direcionada. E esta depende do uso cada vez maior de dados de usuários ingênuos ou imprudentes. Nos Estados Unidos já se fala na utilização, sem aprovação explícita do usuário, de reconhecimento facial. As opções são ilimitadas.
Se, diante disso, o Parlamento Europeu permite a Zuckerberg escolher as perguntas mais fáceis de responder, deixa ele sair barato dessa história. “Bloqueamos 200 apps”, disse o chefe do Facebook quando questionado sobre o escândalo da Cambridge Analytica. E é claro que ele não tem como garantir que casos como esse não se repitam.
Quando as perguntas são mais difíceis, como a da interconexão entre os usuários do Whatsapp e do Facebook, Zuckerberg simplesmente fala de outra coisa. Por exemplo da pesquisa sobre bem-estar social que sua empresa encomendou.
Uma série de funcionários dos primórdios deixou o Facebook nas últimas semanas. Ou escreveram livros sobre como combater o vício destrutivo da presença contínua nas redes sociais.
Desde que se ficou sabendo que a China trabalha num sistema totalitário de controle social e emocional de seus cidadãos pela internet, até mesmo o último dos idealistas deve ter compreendido que redes sociais permitem uma vigilância dos indivíduos que nem Orwell poderia visualizar em seus piores pesadelos.
Com sua declaração “privacidade é algo defasado, coisa do passado”, Zuckerberg queria mudar sentimentos e hábitos de milhões de pessoas. E, em parte, ele conseguiu. Agora, porém, vem o contragolpe, pois apenas alguns anos mais tarde ficou claro que, bem ao contrário, a privacidade é um dos direitos humanos mais valiosos e importantes. E não podemos simplesmente entregá-la a empresários como o chefe do Facebook.
Aqui o poder do mercado deve acabar, e a regulação política, começar. Zuckerberg argumenta que não se deve regular demais para não limitar novas ideias. Aonde isso leva, nós já sabemos, pois deixamos a corda frouxa para que ele pudesse seguir seus interesses comerciais sem qualquer escrúpulo. Essa objeção já não convence mais ninguém. Pelo contrário, ela cria desconfiança.
A norma de proteção de dados que entra em vigor na União Europeia esta semana é um passo inicial importante, mas precisamos de mais regras para impor limites às empresas de internet. Quando Zuckerberg diz que sua empresa paga os impostos devidos, ele infelizmente tem razão. Os países europeus o ajudaram a evitar o pagamento de impostos da forma mais descarada. Isso tem de acabar, e só leis europeias podem fazer algo contra isso.
Mas se trata de muito mais do que isso. É altamente complicado regulamentar redes sociais. Porém, elas já mostraram há muito tempo seu potencial de destruição social e político e que danos elas podem causar em democracias. Os tempos de faroeste para Facebook e companhia acabaram, mesmo que Zuckerberg peça repetidamente desculpas. Chegou a hora de trabalhar na redescoberta e proteção da privacidade.
(Barbara Wesel é jornalista da agência Deutsche Welle)