Esses dos sinais de trânsito

Esmola pedinte sinal de trânsito Misto Brasília
Pessoa em vulnerabilidade social faz pedido em sinal de trânsito/Arquivo/Divulgação
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São o sintoma da falência social, econômica, moral e espiritual de uma sociedade

Por Mayalu Felix – MA

Reparem nas pessoas que ficam nos sinais de trânsito. Vocês já viram? Estão quase sempre famintos, olhos fundos, aos farrapos. Querem ser vistos, ouvidos, notados. E chamam os motoristas e passageiros de “tia”, “tio”, “mãe”, “irmão”, quem sabe procurando a família que não tiveram.

Eles são a prova da falência geral do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, em todas as esferas. Quantos deputados você conhece que de fato se preocupam? Quantos promotores, procuradores? Senadores, governadores, ministros?



Nada veem de dentro de seus carros com vidro fumê, no ar-condicionado e cercados de seguranças armados pagos com grana pública. Você já viu realmente algum desses limpadores de para-brisa de carro ser recuperado?

Você já viu algum deles estudando, trabalhando, livres do vício do crack? Quase sempre estão há anos nos mesmos sinais, com sol, chuva, de dia e de noite, fazendo a mesma coisa: pedindo. Ensaiam limpar o vidro dianteiro de seu carro, misturando água suja à poeira e tentando tirar tudo com um rodo imundo. Até que um dia somem. Não se vê mais. Ninguém sabe. A vida do crack e da rua é curta, absorve a saúde, o talento – caso algum deles tenha algum – as possibilidades de futuro.



O que há de poder público para nada serve. Nada faz. No município, no estado ou no plano federal, não é interessante que algo seja feito. Somos o país que nunca dá certo, e não dá certo nisso também. Um estado de letargia dos entes públicos faz com que vivam para se servir do dinheiro dos impostos sem ter obrigações para com ninguém, a não ser consigo mesmos e os seus.

Sem ser injusta, devo dizer que igrejas evangélicas, centros espíritas, cidadãos comuns sem acesso a nada são os que normalmente estendem a mão, servem sopa, doam roupas. Há casas de recuperação que existem sem nenhum apoio, quase sempre às custas de oferta de membros de igrejas e venda de alguma coisa na rua.



Há deputados – que eu conto nos dedos de uma mão – que denunciam as promessas eleitoreiras jamais cumpridas e tentam fazer algo. Não significa que consigam. Há juízes que entendem, embora tampouco nada possam fazer. De resto, todos fingem fazer alguma coisa e se importar, enquanto ninguém de fato consegue resolver. Porque não há vontade nenhuma de resolver.

O problema é antigo, difícil, complexo e demandaria mudança substancial no estado de miséria da sociedade. Em primeiro lugar, demandaria combate à corrupção, porque o dinheiro que vai pelo ralo da desonestidade é a verba do centro de tratamento, dos remédios, do salário da assistente social e da enfermeira.



Um complexo problema para a sociedade

Saúde custa caro, e no Brasil, investir em saúde é desnecessário, uma vez que temos estádios. É a festa que importa. O futebol, o festival, o campeonato, o carnaval, a micareta, a festa junina, os desfiles de escola de samba, bunda na rua, gente urinando na calçada, promiscuidade, lixo, drogas. Aí a verba aparece.

Além disso, guerra à impunidade. Muitos são reincidentes no crime, vêm de casas de recuperação de menores ou de presídios. Deveriam estar presos ou ser monitorados por um sistema falido. Além disso, uma boa porcentagem dos dependentes químicos provavelmente tem problemas mentais, psiquiátricos, e deveriam, sim, estar em asilos, internados.



Sou contra o movimento antimanicomial. Penso como Ferreira Gullar, que tinha dois filhos esquizofrênicos e, por vezes, violentos, que colocavam em risco suas vidas e as de todos próximos. Mas, como ele mesmo dizia, tinha condições de pagar. E quem não tem? Vai para a rua. Fuma crack para parar de ouvir vozes. Bebe para não surtar completamente. Mas é cômodo para a esquerda não ter que gastar com asilos, médicos, enfermeiros, medicamentos, equipamentos.

Também demandaria combate efetivo ao tráfico de drogas. Porém, hoje vemos o narcoestado socialista se configurando como realidade de poder na América Latina. Esses seres que estão nos sinais de trânsito, os que “guardam” carros (de quem, do quê?), que furtam, que cometem ilegalidades que fingimos não ver se multiplicarão.



Possivelmente a miséria completa alcançará uma parcela significativa da sociedade. Talvez as cenas que vemos hoje pela internet, e que nos inspiram um terror absoluto, como o de pessoas pobres comendo carne de gato de rua na Venezuela, deixem de ser uma realidade alheia a nós.

Já estou terminando, e, como todo bom texto deve retomar a introdução para ter seu fechamento, volto então às pessoas que ficam nos sinais de trânsito. Elas são parte de um estado geral de abandono que é visto nos sinais de trânsito e em tantos outros lugares.



São a ponta de um iceberg que envolve baixa renda, baixa escolaridade, má administração de recursos públicos, tráfico e consumo de drogas, desestruturação da família. Existem em quase todos os países pobres e agora chegam também aos ricos, como a França.

São o sintoma da falência social, econômica, moral e espiritual de uma sociedade. São o sinal mais evidente de que um município, estado ou país vai muito mal.

(Mayalu Felix é escritora, professora e doutora em Letras)


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