Regulamentação da reforma tributária e o populismo tributário

Reforma tributária plenário da Câmara Misto Brasília
Após discussão da PEC, agora é a vez da regulamentaçãpo da reforma tributária/Arquivo/Lula Marques/Agência Brasil
Compartilhe:

Serão cerca de 71 tópicos que precisam ser apreciados e com textos construídos para regulamentação pelo Congresso Nacional

Por Charles Machado – SC

Desde o início de janeiro, o governo federal deu o primeiro passo para regulamentar a reforma tributária criando um programa para ajudar na elaboração de anteprojetos de lei sobre o tema, através da Portaria MF 34/2024.

Ganhou o nome de Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo (PAT-RTC), que terá 60 dias para concluir suas atividades, contados a partir da reunião de instalação da Comissão de Sistematização.

A estrutura é composta de uma comissão de sistematização, um grupo de análise jurídica e 19 grupos técnicos. Ao todo, serão 15 grupos voltados à regulamentação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Eles estão subdivididos em uma série de temas, entre eles importação e regimes aduaneiros especiais; imunidades; regime específico de serviços financeiros; regime específico de operações com bens imóveis; e regime específico de combustíveis e biocombustíveis,

Eles se somam aos outros quatro grupos técnicos que são destinados à regulamentação da distribuição dos recursos do IBS; do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação do Estado do Amazonas e do Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá; do Comitê Gestor do IBS; e do Imposto Seletivo.

A partir da promulgação da EC, o governo tem até 180 dias para encaminhar ao Congresso Nacional os projetos de lei regulamentando o tema, Executivo e Legislativo devem acelerar esses prazos em razão do ano eleitoral, e é nesse calendário eleitoral que mora o perigo.

Estimasse que serão ao menos três leis Complementares distintas, que deverão ser escritas conjuntamente pelos Entes Federativos: União, Estados e Municípios.

A primeira deverá ser sobre IBS, CBS, regimes diferenciados e transição. A segunda, sobre o comitê gestor; e a terceira, sobre o Imposto Seletivo, que incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, conhecido como “Imposto do Pecado”.

Serão cerca de 71 tópicos que precisam ser apreciados e com textos construídos para regulamentação.

Lembrando que em nome da simplicidade tem quem entenda que o melhor seria uma só lei complementar o que eu concordo, seja pelo conflito que muitas vezes nasce nesses diferentes diplomas ou pelas distorções que por vezes o processo legislativo constrói.

Entre os muitos pontos sensíveis, certamente está a regulamentação do Comitê Gestor do IBS, tratado inicialmente como Conselho Federativo, um desafio e tanto diante do não ferimento do pacto federativo, na medida em que estaria tirando autonomia dos Estados, ao mesmo tempo que precisa atentar-se para os limites a sua competência que se for muito extensa, que acaba por tolher a autonomia da gestão das unidades federativas.

Ao mesmo tempo deve-se evitar os oportunismos comum em texto de normas muito extensos, com a inserção de jabutis ou de populismo tributário com o bolso alheio, o que é muito comum.

Lembro que desde 1988, o Brasil já teve 17 “mini” reformas tributárias fatiadas.

Apenas duas foram benéficas para a economia: a Lei Geral das Micros e Pequenas Empresas beneficiando 6 milhões de pequenos empreendedores, que incluiu 8 milhões de autônomos com o MEI, somando 54% dos trabalhadores com carteira assinada.

A Lei Kandir, que regulamentou o ICMS e desonerou as exportações de produtos primários e semielaborados, em comum ambas produziram o mesmo resultado, simplificação e redução dos custos tributários, e com o passar doas anos elas foram também virando monstrengos tributários, modificadas pelos inúmeros lobbys que muitas das vezes descaracterizam boas ideias.

Não a toa, Alfredo Augusto Becker apelidou o nosso sistema de “carnaval tributário”, basta olhar os nossos números.

Rodrigo Pacheco, Lula da Silva e Arthur Lira reforma tributária Misto Brasil
Pacheco, Lula e Arthur Lira na promulgação da reforma tributária/Arquivo/Ricardo Stuckert/PR

Sonegação, modelo tributário e arrecadação

Tendo como referência o PIB do Brasil de R$ 7.2 trilhões, sendo 22,5% (R$ 1.6 trilhão) na informalidade: 7% do PIB em renúncias fiscais, com custo anual de R$ 500 bilhões (por si só, se fosse contabilizado como investimento direto nas empresas beneficiadas, como em outros grandes países, esse valor seria disparado o maior fardo do governo); 7,5% do PIB de sonegação fiscal, com custo anual de R$ 540 bilhões; 1% do PIB de custo burocrático, com custo anual de R$ 72 bilhões; 43% do PIB em dívida ativa, um estoque de R$ 3 trilhões; 69% do PIB em contencioso na Justiça, um estoque de R$ 4,9 trilhões.

É exatamente isso que um sistema complexo alimentado pelos lobbys produzem, sonegação e processos, e logo o propósito da Reforma é simplificar pra reduzir a carga acaba sendo desvirtuado.

O modelo tributário resultante desses remendos tem ao menos seis problemas-raiz que devem ser varridos urgentemente e de uma vez. Primeiro problema-raiz: é a elevadíssima carga tributária sobre base “consumo”: das três únicas bases tributáveis conhecidas no mundo (patrimônio, renda e consumo), esta última possui tributos chamados de indiretos pelos juristas ou regressivo, pelos economistas, pois, ao passo em que se aumenta sua carga, se inibe a circulação do dinheiro e a economia não gira.

No Brasil, chegamos a 54% da arrecadação total dos governos nessa base, enquanto nos EUA a incidência é de 17% e a média na OCDE é de 33%. Segundo problema-raiz: é o excesso de autonomia para todos os entes (União, Estados/DF e Municípios) legislarem sobre a tributação na base consumo.

Segundo o Banco Mundial, no relatório Doing Business, o Brasil está na posição 129 país em termos de ambiente de negócios e o 184 pior sistema tributário dentre 190 países pesquisados).

Origina também a nefasta e autofágica guerra fiscal (os 7% do PIB equivalentes a renúncias, citados anteriormente), que custa caro para quem tenta andar na linha (o 1% de custo da burocracia tributária já citado, acrescido de um contencioso exorbitante, cujo custo em cascata aumenta a demanda pelo Poder Judiciário) Terceiro problema raiz: o sistema é auto declaratório.

Além de o contribuinte ter o custo da burocracia para apurar o quanto deve (o que é praticamente impossível com 27 legislações de ICMS, mais 5.570 do ISS, além dos tributos federais, com mais de 5,8 milhões de normas editadas desde 1988, segundo o IBPT), isso dá margem à sonegação (evidenciada pelos 7,5% do PIB já citados aqui).”

Quarto problema-raiz: os tributos são, em geral, recolhidos pelo contribuinte, o que também gera custo burocrático e margem para sonegação de todos os tipos.

Quinto problema-raiz: o dinheiro que circula comercialmente não tem lastro contábil/fiscal, ou seja, um boleto gerado para uma compra e venda muitas vezes tem sua contrapartida fiscal na nota fiscal de menor valor, devido a descontos, ou maior valor, devido a multas ou demais acordos comerciais não tributados. Sexto problema-raiz.

Podemos ainda listar como problema-raiz o fato de os tributos serem cumulativos e não neutros. Isso leva a distorções na formação de preços, concorrência predatória e desleal e a uma injusta carga, ainda mais severa para quem ganha menos.

Esses velhos dilemas vão ser enfrentados na regulamentação, sem tentar descambar para o populismo tributário.

Informativo Misto Brasil

Inscreva-se para receber conteúdo exclusivo gratuito no seu e-mail, todas as semanas

Assuntos Relacionados

DF e Entorno

Oportunidades





Informativo Misto Brasil

Inscreva-se para receber conteúdo exclusivo gratuito no seu e-mail, todas as semanas