A farsa venezuelana e o embaraço para o Brasil

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Eduardo González foi o candidato da oposição ao governo da Venezuela/Arquivo/X Urrutia
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Pode-se pensar que acreditar que um regime ditatorial fosse produzir eleições limpas e justas seja um tanto quanto ingênuo

Por Francisco Gomes Junior – SP

Já se sabe o resultado real das urnas venezuelanas. Como as urnas eletrônicas lá utilizadas (modelo AES 3000 da Smartmatic) geram um boletim quando a votação é encerrada, e esse comprovante (lá chamado de ata) possui um hash e QR Codes únicos, os mesários e fiscais em locais de votação puderam imprimir e fotografar os boletins, antes das urnas serem retiradas pelo exército venezuelano.

Tais boletins foram enviados a diversas instituições, o que possibilitou uma apuração independente onde, com a leitura do QR Code, foi possível identificar os votos presentes em cada urna e cravar que o candidato da oposição, Eduardo González, derrotou Nicolas Maduro, fato também comprovado por apurações da Associated Press, o que levou ao reconhecimento, por parte dos Estados Unidos, de Gonzalez como Presidente eleito.

Mas, o resultado oficial das eleições foi outro. Pode-se pensar que acreditar que um regime ditatorial fosse produzir eleições limpas e justas seja um tanto quanto ingênuo, mas talvez não seja esse o ponto.

A história nos ensinou que Fidel Castro nunca perdeu uma eleição em Cuba, assim como Kim Jong-um (que herdou o poder da dinastia familiar) também nunca perdeu na Coreia do Norte ou mesmo Putin, que ganha uma eleição após a outra na Rússia. Por essa lógica, parece evidente que Maduro não perderia essas eleições.

O acordo de Barbados (que teve o Brasil como principal fiador e onde se estabeleceu que seriam realizadas eleições livres e justas na Venezuela) não foi celebrado para ser cumprido, como de fato não foi. Não há ingênuos na política internacional e nem na diplomacia.

Mas, o roteiro pré-estabelecido degringolou-se pela extrema impopularidade e falta de traquejo político de Maduro. Fatores como a exagerada diferença nos votos dados ao opositor e ao governo e a atuação pífia do CNE (órgão eleitoral venezuelano) que sequer divulgou as atas nas quais baseou seu resultado, complicaram o desfecho do que foi tramado.

A consequência da trapalhada farsesca foi uma reação mundial de desconfiança (na realidade uma certeza) quanto ao resultado divulgado, as manifestações populares que se iniciaram logo após sua divulgação e a repressão violenta e desesperada do regime chavista.

Criou-se um imbróglio de difícil desenrolar. Se por um lado, a lógica política pragmática parece indicar que ao final Nicolas Maduro cumprirá mais cinco anos de mandato, a dificuldade está em como desenvolver o enredo para desembocar neste fim.

Maduro parece seguir a velha lógica conspiratória dos ditadores ameaçados, a de que há uma conspiração imperialista comandada pelos Estados Unidos para tirá-lo do poder, delírio que o reconhecimento pelo governo americano da vitória oposicionista acabou alimentando. Maduro conta com o apoio da Rússia e China para sua sustentação e a política de sanções dos EUA não tem se mostrado eficiente onde tem sido aplicada.

As acusações de Maduro contra a oposição

Para o governo venezuelano, questão resolvida. Ganharam as eleições e não irão permitir as badernas que terroristas capitalistas queiram fazer no país. A repressão ajeitará a casa internamente e, em pouco tempo, vida que segue.

Não à toa, Maduro diz que os oposicionistas repetem a trajetória de Juan Guaidó, que nas eleições anteriores foi declarado vencedor e reconhecido por uma série de países como Presidente venezuelano (inclusive pelos EUA e pelo Brasil). Em resumo, após uma certa agitação, tudo se controlará internamente e o governo seguirá.

No entanto, há um problema. Se, internamente, Maduro controla o Estado e governará, se para China e Rússia isso está legitimado, se para os EUA isso é mais uma eleição fraudada, existem países como principalmente o Brasil (e em menor escala México e Colômbia) que ficaram numa tremenda saia-justa em que nenhuma saída parece benéfica.

Vejamos: simplesmente reconhecer a vitória de Maduro seria, para o governo brasileiro, ter que lidar com um forte desgaste perante o povo brasileiro e ser desmoralizado em seu discurso em defesa das democracias.

Por outro lado, reconhecer a vitória do candidato oposicionista parece fora de questão, seria como entrar em uma rota de colisão com Maduro e ser prejudicado em uma série de interesses comerciais e geopolíticos.

Quando não há boa solução à vista, recorre-se à diplomacia. A notas cuidadosamente redigidas, as negociações para baixar a temperatura de ambos os lados e, sobretudo, a convicção de que o transcorrer dos dias e semanas, poderá desembocar em um fato consumado.

Nesse interim, reuniões entre embaixadores, conversas entre presidentes, negociações de inevitáveis sanções, discursos sobre soberania e, até quem sabe, a criação de novas atas confirmando a vitória de Maduro (embora a falsificação poderia ser notada por não se ter o mesmo QR Code da ata original, caso tais documentos fossem exibidos).

Ainda estamos no meio desse imbróglio, com fatos surgindo todos os dias, mas a fervura da água começa a baixar. Resta precificar o prejuízo ao presidente Lula caso se confirme o novo mandato de Maduro e, nesse sentido, o Partido dos Trabalhadores (PT) não ajudou nem um pouco precipitando-se em emitir nota de reconhecimento da reeleição do chavista.

A questão é interessante, visto que todos conhecem as habilidades políticas e retóricas de Lula, mas, por outro lado, a farsa eleitoral foi desmedida ao extremo, de difícil sustentação. Como conseguir uma saída diplomática, em que Maduro ceda em alguns pontos secundários e o Brasil possa surgir como a principal força de moderação parece ser a resposta que todos esperamos.

(Francisco Gomes Júnior é presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP) e autor da obra “Justiça sem Limites”)

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