Adolescentes também trabalham nos EUA

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Texto de João Francisco da Silva

Ouço na Globo News matéria alarmista porque crianças trabalham, principalmente em casa. Essa postura me deixa furioso. Trabalhei em casa mesmo antes do primeiro ano escolar. Tinha tarefas adequadas à idade, mas era ensinado responsabilidade. Assim era em todas as famílias.

Você aprendia valores, sobre reconhecimento, sobre viver e superar dificuldades. Agora como não podem trabalhar nossas crianças desocupadas caem nas mãos do traficantes, pedófilos, etc.
Vejam como é a coisa nos Estados Unidos:

Uma nova e sofisticada pesquisa, que acompanhou a vida de menores que tinham de 12 a 16 anos de idade em 1996, mostrou dados impressionantes sobre o trabalho infantil nos Estados Unidos.

A metade dos que tinham 13 anos de idade trabalhou aos 12 anos. Entre os que tinham 14 anos, 52% trabalharam aos 13. Entre os de 15 anos, 57% trabalharam aos 14 anos; e entre os de 16 anos, 64% trabalharam aos 15. Cerca de 80% do grupo de 16 a 17 anos estavam trabalhando ou haviam trabalhado (Report on the Youth Labor Force, Washington, Department of Labor, 2000; “Youth employment”, Washington: Monthly Labor Review, 2001).

Em média, as crianças americanas de 12 a 13 anos trabalham 7 horas por semana; os adolescentes de 14 e 15 anos, trabalham 15 horas; os de 16 e 17 anos, 20 horas. A maioria dos menores trabalha durante o ano letivo e nas férias; a minoria, só nas férias.

Pela ordem, os trabalhos mais freqüentes são feitos em lanchonetes, áreas de lazer, construção civil, entrega de jornais, supermercados, agricultura e serviços domésticos.

Nessa lista, há trabalhos leves e pesados. Interessante é saber que, pela lei, adolescentes de 17 anos podem se alistar voluntariamente para ações militares. Nesse campo, a preparação começa cedo – a partir de 11 anos de idade. Há cerca de 500 mil crianças matriculadas nos programas de educação militar existentes em 3 mil escolas públicas americanas. Mais de 40% desses alunos se tornam soldados, aos 17 anos, no final do segundo grau (David Goodman, “Recruiting the class of 2005”, in Mother Jones, fevereiro de 2002).

Nos Estados Unidos, as famílias gostam de dar aos jovens que estudam uma experiência de trabalho. Os pais acreditam que, com isso, os filhos adquirem responsabilidade e apreendem pontualidade. Essa prática parece fazer parte da cultura anglo-saxônica. Na Inglaterra, 40% das crianças entre 10 e 15 anos trabalham (Louis J. Salome, “Quarenta por cento das crianças britânicas trabalham”, O Estado de S. Paulo, 26/04/1998).

Embora o tema continue polêmico, a pesquisa citada indica que o trabalho não atrapalha o estudo. Os americanos que têm as melhores notas na escola são os que mais trabalham. Entre os que estão na universidade, 53% trabalharam 20 horas por semana durante o curso secundário.

O Brasil tem sido criticado pelo excesso de trabalho infantil. Entre os 78 milhões de pessoas que compõem a nossa força de trabalho, há cerca de 4,5 milhões menores trabalhando: 47% têm entre 14 e 15 anos; 44%, entre 10 a 13 anos; e 9%, entre 5 e 9 anos (Simon Schwartzman, Trabalho Infantil no Brasil, Brasília: OIT, 2001).

Quantas dessas crianças deixam de ir à escola devido ao trabalho? Dados de 1998 mostram que essa parcela é pequena. No grupo de 10 a 15 anos há cerca de 4 milhões que trabalham. Destes, 3,6 milhões (90%) vão à escola. Cerca de 400 mil estão fora da escola (10%) e, mesmo assim, não se sabe se é por causa do trabalho, da distância da casa à escola ou de terem completado o primeiro grau. O trabalho já não é obstáculo para a maioria das crianças brasileiras estudarem.

Os dados citados são de 1998. De lá para cá, houve um aumento expressivo das crianças em idade escolar que se matricularam na escola. Hoje são 96% , o que deve ter produzido um impacto positivo entre os que trabalham.

O Brasil não é a selva de trabalho infantil que se apregoa em muitos círculos do exterior. Além de irem à escola, os menores, em sua maioria, fazem serviços domésticos ou ajudam na agricultura. Nos dois casos, eles estão perto dos pais, o que é bem diferente da situação dos Estados Unidos onde os trabalhos são executados longe de casa e da família.

É claro que o combate ao trabalho infantil precisa continuar, em especial entre os menores de 10 anos. Na faixa seguinte, de 11 a 14 anos, a ampliação da bolsa-escola pode trazer para zero os que ficam fora da escola. Mas nosso maior problema é o de reexaminar se o Brasil deseja mesmo manter em 16 anos a idade mínima para o trabalho, quando a maioria dos países fixa-a em 14 anos.

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