Na Amazônia, medições de satélite já indicam que 2019 será um ano de explosão do desmatamento. Só no mês de julho, a área devastada foi 90% maior que o mesmo período do ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Já no Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, que já perdeu quase metade de sua área original, os alertas diários mostram que o desmatamento ilegal continua a desempenhar um papel decisivo na devastação. Dos 802 alertas emitidos nos primeiros três meses do ano, havia autorização para o corte em apenas 13 áreas.
Esses dados refinados estão reunidos na plataforma MapBiomas, que faz o mapeamento da cobertura e uso do solo no país em parceria com com universidades, ONGs e empresas – e que pode ser acessada publicamente.
Um levantamento detalhado feito pela ONG Instituto Centro da Vida (ICV) mostra que o estado de Mato Grosso, maior produtor brasileiro de soja, registra um dos maiores índices de clandestinidade: 95% do desmatamento registrado em 2018 ocorreu de forma ilegal.
“E boa parte desse desmatamento detectado aconteceu em grandes áreas”, comenta Ana Paula Valdiones, pesquisadora do ICV. Em 71% dos casos, os locais identificados tinham área equivalente a 50 campos de futebol.
“Se é fácil de enxergar por satélite, não deve ser difícil de fazer a fiscalização e responsabilizar os proprietários”, opina Valdiones.
Para a análise, o ICV consultou bases de dados públicas. A principal delas é o Prodes Cerrado, programa de monitoramento do Inpe que, desde 2018, ganhou periodicidade anual. A outra fonte é o banco que reúne as autorizações de desmatamento emitidas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Ilegalidade em alta – Em comparação com 2017, o ritmo de destruição do cerrado caiu. De agosto de 2017 a julho de 2018, foram perdidos 6,7 mil km² do bioma, 11% a menos que o registrado no período anterior. Em Mato Grosso, houve queda de 20%, aponta o Prodes Cerrado.
O índice de ilegalidade, por outro lado, se mantém alto. Entre as várias explicações para esse cenário, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso aponta o aumento da pressão sobre as fronteiras agrícolas.
“Com a valorização da moeda americana, o preço das commodities agrícolas sobe, aumentando a pressão nas fronteiras agrícolas”, respondeu a secretaria, por e-mail. citando também “problemas sociais ligados à regularização ambiental dos assentamentos e especulações fundiárias”.
A secretaria afirma que as ações de comando e controle são guiadas pelo monitoramento, multas e presença da fiscalização, além da sensibilização dos proprietários rurais, criminalização e responsabilização. Nos quatro primeiros meses do ano, foram aplicados R$ 222 milhões de reais em multas por desmatamento ilegal no estado.
O promotor Joelson de Campos Maciel, do Ministério Público de Mato Grosso, acredita que o cerrado parece ser a “bola da vez” por conta da produtividade no agronegócio. Diversos estudos já publicados apontam que soja é a segunda maior causa do desmatamento (a pecuária é a primeira).
Maciel é um dos procuradores que atuaram numa ação que obrigou o governo de Mato Grosso a divulgar dados relacionados ao meio ambiente. Segundo o inquérito, muitas informações não eram disponibilizadas, o que dificultava o acompanhamento da gestão ambiental no estado.
Em 2018, mais de 20 pessoas foram presas em Mato Grosso acusadas de crimes ambientais, como desmatamentos ilegais, falsificações e inserções de dados falsos em procedimentos ambientais.
O esquema contava com a participação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Coordenada pelo Ministério Público em parceria com a Delegacia de Crimes Ambientais, a operação, que foi batizada de Polygonum, prendeu também o ex-secretário da pasta, André Luiz Torres Baby.
Dentre as irregularidades investigadas em cerca de 600 propriedades está a tentativa de “esconder” áreas desmatadas ilegalmente com fornecimento de mapas falsos ao Cadastro Ambiental Rural, que é obrigatório, segundo o Código Florestal.
“Estamos agora fazendo um pente fino para regularizar tudo isso”, afirma Maciel. “Não temos aquela política ‘de nós contra eles’. Buscamos a legalidade, queremos que o Estado faça a sua produção de uma maneira correta”, complementa.
Lucas Costa Beber, da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), afirma que entidade é contrária ao desmatamento ilegal e que é “um tremendo equívoco” apontar que a soja é o segundo vetor de desmatamento.
“No Estado, 21,5% do território é pastagem que pode ser convertida em plantio de soja. Mais da metade dessas áreas são terras muito boas”, disse Beber. “Mesmo assim, temos tido poucas áreas de conversão para soja porque o mercado não está muito aquecido”, completou.
Expansão em alta – Desde 2010, a área plantada de soja cresceu 45% no Brasil, apontam estatísticas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO). Em Mato Grosso, a área semeada para a safra 2018-2019 foi de 97 mil km² – cerca de três vezes o tamanho da Bélgica.
E a expansão ainda tem muito potencial. Um estudo publicado recentemente por Gabriel Frey, pesquisador brasileiro na Universidade de Bonn, Alemanha, prevê que 147 mil km² têm alta probabilidade de serem convertidos em plantações de soja, ou seja, uma área equivalente a mais “cinco Bélgicas”.
“Desse total, 90 mil km² estão no cerrado”, detalha Frey. “Só no Estado de Mato Grosso, são 57 mil km² de expansão de soja sobre o cerrado e 50 mil km² no bioma Amazônia”, diz, pontuando que a área total do Estado é 903 mil km² e que o território tem tanto porções do cerrado quando da floresta amazônica. “É uma proporção muito alta”. A Bélgica tem uma área de cerca de 30 mil km².
Para o Greenpeace, o aumento da área plantada de soja pode ter relação com o chamado comércio de commodities de alto risco, ligado ao desmatamento e conflitos sociais para sua produção. Num relatório recente, a ONG apontou que mais de 50 empresas não foram capazes de provar que o grão adquirido era livre de desmatamento ilegal.
“Mais importante do que apenas a discussão da legalidade do desmatamento é as empresas pararem de comercializar com produtores e comercializadores que tenham desmatado recentemente”, afirmou Romulo Batista, do Greenpeace.
No ano passado, 73% da soja produzida no Brasil seguiu para o mercado exterior – a maior parte para China e países da União Europeia. (Da DW)