Líder do governo quer propor nova Constituição. Seria a solução?

Ulysses Guimarães Constituição 1988
Ulysses Guimarães e seu gesto na promulgação do que ele chamou de "Constituição Cidadã"/Arquivo/Congresso Nacional
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Texto de Noemí Araújo

No último domingo (25), quase 6 milhões de chilenos votaram favoravelmente a realização de nova Assembleia Constituinte para elaboração de uma nova Constituição, a fim de substituir o atual texto, herdado ainda do período da ditadura Pinochet. Mesmo depois de quase 30 anos de derrota do regime ditatorial, ainda estava em vigor um modelo neoliberal; ou seja, no texto constitucional, por exemplo, não havia previsão de garantias universais à direitos sociais como gratuidade da educação e saúde; como previsto no Brasil, atualmente.

Agora, deverá ser eleita uma Convenção Constituinte com 155 deputadas e deputados – com a garantia de paridade de gênero, ou seja, metade mulheres e metade homens, pela primeira vez na história -, que terão até 2022 para apresentar um novo texto; que, posteriormente, será feita nova consulta popular para aprovação.

Mas o que isso tem a ver com o Brasil? Nessa semana, o líder do governo na Câmara dos Deputados, deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), anunciou a intenção de apresentar um projeto de decreto legislativo, até o final do ano, para a realização de um plebiscito para saber se os brasileiros têm interesse em uma nova Constituição. Sua motivação, deve-se ao fato de que a atual Carta Magna brasileira “tem muitos privilégios (…) mais direitos do que deveres” e mudá-la toda seria “mais fácil” do que aprovar Emendas.

Desde a independência do Brasil, estamos na sétima Constituição (a dos Estados Unidos está em vigor desde 1787, com algumas alterações, claro). Aqui, o último texto promulgado foi em 1988, após a ditadura militar, sob o discurso do saudoso deputado federal Constituinte Ulysses Guimarães: “A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: Muda para vencer! Muda, Brasil!”. Na época em que foi desenhada, sob a presidência de José Sarney, o ex-presidente chegou a afirmar que o texto da Constituição Cidadã tornaria o país “ingovernável”, pelo excesso de responsabilidades sobre o Estado.

A questão que se deve considerar é: o problema está na nossa Constituição? Em sua rigidez para alterações? Está nos conteúdos e demasia de regras que são aprovadas constantemente pelo Poder Executivo e Legislativo? Ou ainda, na não aplicação efetiva, célere e justa da Lei e, até mesmo, na ingerência do Poder Judiciário? Será que a ingovernabilidade não está mais atrelada aos agentes políticos, gestores públicos, ao enraizamento da corrupção no país e irresponsabilidades praticadas anos após anos, governos após governos?

Para que se proponha uma mudança no texto constitucional como um todo, é necessário que exista ao menos a representação fiel e participação direta da sociedade no processo. Caso contrário, de que adiantaria um novo texto feito pelas mãos da mesma elite; feita pelo mesmo grupo político e econômico qual não há representatividade feminina proporcional à população e nem ao quantitativo de negros, homens e mulheres, menos ainda dos indígenas, entre outros; não aqueles representantes investigados por atos de corrupção e até mesmo por homicídio; que negam a ciência, que analfabetos funcionais; que são herdeiros de nomes tradicionais da política.

Será que um novo texto, de fato, é a solução para os nossos problemas, para uma boa gestão governamental, para solucionar as irresponsabilidades fiscais cometidas em troca de apoio político e perpetuação no poder? O que seria mudado: menor intervenção do Estado na economia, sendo menos assistencialista? Ótimo, comecemos então pela tão defendida liberdade individual, da escolha a então não tomar uma vacina até a descriminalização da maconha e do aborto. Precisamos mesmo ter no texto constitucional o regramento destes assuntos? Foi necessário a aprovação de lei para que as pessoas se cuidassem e usassem máscaras em locais de grande aglomeração, sob a pena de multa. Mas onde de fato está o problema, nas leis ou na cultura brasileira – interpretada pela sociedade que rege e é regida pela legislação?

Por óbvio, são 250 artigos atualmente, além dos 114 Atos transitórios, e mais de cem emendas à Constituição.. A desburocratização, a simplificação das normas dever ser o alvo. Ao mesmo tempo, as brechas e lacunas, além do direcionamento e favorecimento dessas em prol dos legisladores, da já conhecida elite, só traria benefícios para os mesmos. As mudanças constitucionais são bem-vindas, desde que promovidas em um contexto de pluralidade de pensamento, gênero e raça; de um projeto sustentável e estrategicamente planejado para as futuras gerações; de forma a serem assertivas e completas, justas e democráticas, representativas do interesse da maioria genuína, que não deve ser minorizada.

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