Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, pediu vista quando o placar está em 1 a 1 no plenário
Texto de André Richter
Um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu hoje (15) o julgamento do processo no qual a Corte analisa a tese do marco temporal para demarcações de terras indígenas. Não há prazo para retomada do julgamento.
O placar do julgamento está empatado em 1 a 1. Na sessão desta tarde, o ministro Nunes Marques votou a favor da tese. Na sessão anterior, o relator do caso, ministro Edson Fachin, manifestou-se contra o marco temporal.
Há três semanas, o STF julga o processo sobre a disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani e a posse de parte da TI é questionada pela procuradoria do estado.
No caso, os ministros discutem o chamado marco temporal. Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial nesta época.
No entendimento de Nunes Marques, embora não tenham sido cumpridas, as normas transitórias da Constituição estipularam prazo de cinco anos, a partir da promulgação, para conclusão das demarcações de terras indígenas. Dessa forma, posses posteriores à entrada em vigor da Constituição não podem ser consideradas tradicionais.
“Tal norma transitória é forte indício de que o constituinte teve em mente a fixação de um marco temporal preciso para delimitação dos espaços físicos que ficaram sob o exclusivo usufruto indígena. Se houvesse a possibilidade de que, a qualquer momento, novas posses indígenas pudessem ser estabelecidas para além daqueles vigentes na data da promulgação da Constituição, não faria sentido fixar prazo para a demarcação dessas terras, pois restaria sempre em aberto a possibilidade de configuração de novas posses tradicionais”, argumentou.
O processo tem a chamada repercussão geral. Isso significa que a decisão que for tomada servirá de baliza para casos semelhantes que forem decididos em todo o Judiciário.
O caso xokleng – Entenda essa polêmica
Texto de Leonêncio Nossa (via Facebook)
Ainda no acampamento, encontrei a barraca dos xoklengs, de Santa Catarina. São esses indígenas que protagonizam o debate jurídico do Marco Temporal. A luta da etnia está no centro da discussão desde 2019, quando o Supremo decidiu que a decisão sobre o processo dela será aplicada em todos os outros que tramitam na Justiça.
A história dos xoklengs é mais ou menos assim: os indígenas ocupavam um território que ia de Porto Alegre a Curitiba. Logo ao chegar ao Rio, em 1808, Dom João assinou decreto para declarar “guerra” às etnias e abrir espaço para a agricultura comercial. Ao longo do século 19, o Estado mantiveram os combates, patrocinando o serviço de “bugreiros”, homens que entravam no mato para matar e “limpar” terras.
Os xoklengs foram comprimidos no Vale do Itajaí, em Santa Catarina. A colonização alemã, na segunda metade do século, reacendeu a guerra. Um “acordo” firmado pelas autoridades da província fixou um território de mais ou menos 40 mil hectares para os indígenas. Foi uma decisão goela abaixo.
Em 1914, o governo catarinense decidiu reduzir o território xokleng para 20 mil hectares. Mais tarde, em 1965, a ditadura chancelou as medidas. Mas o próprio governo militar decidiu cortar mais 900 hectares – justamente as terras baixas e agricultáveis – para a inundação da Barragem Norte, uma obra construída para evitar enchentes nas cidades da região. Os indígenas, então, tiveram que se virar nas ribanceiras do Hercílio e nas terras altas de matas.
Em 2003, a Funai, depois de um longo processo, demarcou uma área de 37 mil hectares – 18 mil hectares a mais, chegando próximo do espaço estabelecido no começo do século 20. Uma parte dessa terra é sobreposta pelas áreas de duas reservas florestais. Mas aí o governo de Santa Catarina, que mantém as unidades ambientais, entrou na Justiça contra o órgão indigenista e os xoklengs. O debate do Marco Temporal, então, surgiu.
Quem defende o Marco Temporal é gente esperta, que aposta na confusão jurídica para tomar terras dos outros. Os ruralistas não têm o que se queixar das antigas leis e da velha burocracia do Estado – com ou sem Marco Temporal o processo de demarcação leva décadas. Eles sempre avançaram pelo interior, sem obstáculos. Agora, entretanto, propõem uma data para o reconhecimento de um direito universal reconhecido pela Constituição.
Mais correto seria estipular uma data para o início da violência contra os xoklengs. A data temporal seria o 5 de novembro de 1808, quando Dom João assinou o decreto que considerava “principiada” a guerra contra os indígenas do Sul. Os indígenas sempre estiveram nas suas terras ou em volta delas, expulsos do lugar onde nasceram, sob a mira de revólveres. Por sua vez, o Marco Temporal não estava no texto da Constituição em 1988 nem está agora em 2021.