As receitas do Orçamento da Seguridade em 2017 totalizaram R$ 780,3 bilhões, superando em R$ 61,2 bilhões os valores de 2016. Esse aumento de 8,5% supera o aumento nominal do PIB, de 4,8%. A receita de todas as contribuições sociais somou R$ 753,3 bilhões. O aumento nominal de R$ 63,9 bilhões representou 9,3%, frente ao exercício anterior.
No lado das despesas, em 2017, o valor foi de R$ 837,2 bilhões, R$ 63,9 bilhões acima dos valores de 2016, o que representou um incremento de 8,2%. A maior parte dessas despesas corresponde aos benefícios, previdenciários, trabalhistas e da assistência social, que somaram R$ 692,4 bilhões. Da mesma forma que em 2016, o aumento das despesas em benefícios corresponde a uma parcela significativa do crescimento das despesas totais da Seguridade.
Os benefícios previdenciários, assistenciais e trabalhistas da Seguridade Social corresponderam a 10,6% do PIB em 2017. Esse percentual era de 8,0%, 8,2%, 8,7%, 8,8%, 9,2% e 10,2% do PIB, respectivamente, para os exercícios de 2005, 2010, 2013, 2014, 2015 e 2016. Até 2015, esse crescimento esteve relacionado diretamente aos aumentos reais do salário mínimo. Mas, desde 2016, não são concedidos reajustes reais ao salário mínimo, e, pelo contrário, em 2017, o reajuste foi inferior ao INPC do período, em franco descumprimento ao mandamento constitucional. Assim, o principal fator que determinou o crescimento dessas despesas em relação ao PIB foi o desempenho negativo da economia.
Como resultado, 2017 apresentou um déficit de R$ 56,8 bilhões, déficit também verificado no ano de 2016 (R$ 54,5 bilhões).
Em 2017, mesmo em relação aos baixos níveis de produção, verificados depois de um biênio de recessão, a economia manteve-se em declínio, com um leve crescimento de 1%. Somando-se aos muitos e variados problemas econômicos e fiscais, a opção governamental, por um novo ciclo de forte ajuste fiscal, diminuiu boa parte dos gastos públicos. Restou delegar aos agentes econômicas as principais tarefas da recuperação, apontando no ajuste fiscal como elemento impulsionador dos investimentos privados. Mas, uma inação efetiva da capacidade econômica do Estado e o agravamento dos problemas políticos minaram a confiança necessária para a retomada do crescimento.
Com queda na economia, renúncias tributárias em profusão, diminuição dos níveis de emprego, mudanças legais e efeitos de decisões judiciais, a arrecadação do Orçamento da Seguridade Social caiu. Em relação a 2014, as receitas de contribuições sociais verificadas em 2017 perderam R$ 63 bilhões em valores reais. É natural, portanto, que esse financiamento seja inferior ao volume das despesas com saúde, previdência e assistência social. Mantido aquele nível de arrecadação, a Seguridade Social em 2017 teria também apresentado saldo positivo.
O Orçamento da Seguridade Social, desde 2005, apresentou resultados positivos. E bastava a manutenção do valor real de suas receitas para reverter os dois únicos resultados negativos da série, 2016 e 2017.
Nesse aspecto, o governo age de forma contraditória. Reafirma a situação deficitária da Seguridade para promover reformas e cortes nos mais diversos direitos. E, ao mesmo tempo, aumenta a subtração de recursos desse Orçamento, via Desvinculação de Receitas da União – DRU.
Essa desvinculação somente se justifica pelo reconhecimento do caráter superavitário do sistema. Fazer “desaparecer” R$ 100 bilhões anualmente das contas desse orçamento é uma forma de negar as possibilidades de mais recursos para a Saúde, melhores e mais abrangentes programas sociais, maiores aumentos para o salário mínimo e para os aposentados e pensionistas.
Mesmo que os dados reafirmem o caráter estruturalmente superavitário da Seguridade Social, o governo fez a inequívoca opção pelo seu desmonte. E, quando a Constituição Federal completa 30 anos de promulgação, quando muitos avanços econômicos e sociais foram conquistados nos últimos anos, rasgam o modelo, desmontam as políticas e desconstroem os direitos que ele sustenta e devolvem a sociedade brasileira a um grande atraso.
É público e notório que o governo promoveu profundos e injustificados cortes nos mais diversos programas sociais. O resultado direto dessas ações foi a diminuição do acesso a vários benefícios. Não se tratou de nenhuma medida de cunho moralizadora ou para assegurar o bom uso dos recursos públicos. O alvo, pelas palavras do próprio governo, foi “cortar gastos para poder fazer o país voltar a crescer”.
Mas o que se verifica é a piora nas condições de vida de parcelas mais pobres. Em plena crise econômica e altos níveis de desemprego, afastar mais de um milhão de famílias do acesso às rendas do Bolsa Família, do Abono Salarial e do Seguro Desemprego soa como cruel. Agora em 2018, o governo alterou a legislação dos benefícios de prestação continuada da LOAS para também poder suspender e cancelar parte desses benefícios.
Se a principal motivação fosse o melhor uso do dinheiro público, iniciaria pelo maior foco desse desvio, as fraudes e a sonegação. Mas essas medidas adotadas reafirmam o sentimento de que pretendem somente excluir o povo, seus direitos e seus anseios do Orçamento.
E não é apenas do orçamento público. A reforma trabalhista tratou de promover uma grande liquidação de direitos e garantias dos trabalhadores. As suas consequências para a Seguridade e a previdência social, em particular, ainda estão por vir.
Mas, apenas poucos meses depois de entrar em vigor, há redução da ocupação em geral, em especial dos empregos com carteira assinada. Há substituição dos contratos formais por outros atípicos, resultando em aumentos da desigualdade de renda. Com os números parciais até julho deste ano, apenas foram gerados 50 mil postos de empregos formais nos 9 meses posteriores à reforma – nada perto dos 2,9 milhões de empregos com carteira fechados entre 2015 e 2017.
Pior ainda foi a qualidade dos novos empregos. Pouco mais da metade desse saldo foi composto por postos intermitentes (26,5 mil), onde o trabalhador não tem qualquer garantia de salário ao final do mês. Outros 13 mil são contratos por tempo parcial. No conjunto, mais de ¾ desse aumento está concentrado em contratos “atípicos” e precários, que passam a ser reconhecidos pela Reforma Trabalhista.
Já para o ano de 2018, a EC nº 95 (“PEC do teto de gastos”) reservou problemas adicionais. A Lei Orçamentária consignou muitos cortes. Para citar apenas alguns, em relação às dotações de 2017, as programações do INCRA serão menores em 79%, com efeitos diretos em Assistência técnica e Extensão Rural para Reforma Agrária (corte de 77%); Promoção da Educação do Campo (corte de 78%); Reconhecimento e Indenização de Territórios Quilombolas, (corte de 52%); Apoio à promoção da cidadania de mulheres rurais, (corte de 56%); Apoio ao Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Quilombolas e Povos Indígenas (Extinto); Programa de Aquisição de Alimentos (corte de 45%); construção de CISTERNAS/MDS (corte de 92%).
A lista é muito grande e é incompatível com os novos dados do IBGE que apontam para o crescimento da pobreza no Brasil e constatam que cerca de 52 milhões de brasileiros, o equivalente a 25,4% da população, vivem na linha de pobreza e têm renda familiar equivalente a R$ 387,07 por mês, e que o maior índice de pobreza está localizado na região nordeste do país, onde 43,5% da população está nessa situação. Cortar acesso a benefícios e precarizar as ações governamentais que atuam diretamente para melhorar as condições de vida desse segmento é menosprezar toda essa realidade.
Para 2019, a situação será ainda pior. Como os cortes nas mais diversas programações que atendem às despesas discricionárias não foram suficientes, a proposta orçamentária pela primeira vez deixa como condicionados R$ 258,2 bilhões em rubricas que atingem diretamente os direitos a benefícios da Seguridade Social.
Nessas condições, há R$ 201 bilhões de benefícios do RGPS (31% do total); R$ 30 bilhões relativos aos benefícios da LOAS (50% do total); R$ 15 bilhões para os benefícios do Bolsa Família (50% do total) e R$ 2,5 bilhões da compensação ao RGPS pela desoneração da folha (complementação 33% do total).
O governo deve atender a um preceito constitucional que limita a emissão de títulos da dívida frente ao total de suas despesas. Mas, fez a opção de deixar condicionados benefícios destinados à população em geral para assegurar a integralidade dos pagamentos de juros e encargos da dívida que estão na mesma limitação – são despesas correntes. Para 2019, a proposta prevê o pagamento, integral e sem condicionantes, de R$ 379 bilhões somente para os juros reais da dívida (as despesas com a correção monetária estão consignadas em outras rubricas). Esse valor é muito superior aos R$ 316 bilhões que foram previstos para 2017, um aumento de 20%.
Revela-se assim a real prioridade deste governo para os gastos orçamentários. Para a garantia esses pagamentos, os direitos do povo não cabem no orçamento.
Não é possível concordar com o rumo dessas políticas. O Brasil demanda um novo projeto de desenvolvimento. Crescer com distribuição de renda, diminuição das desigualdades sociais e regionais. Melhorar a qualidade de vida da população, com acesso a serviços públicos de qualidade. Construir um novo Estado capaz de conduzir a sociedade a esse novo patamar de justiça social.
Mas não é com a quase aprovada PEC 287/2016, nem com a EC 95, nem com a Reforma Trabalhista em curso, que conseguiremos mudar, positivamente, o curso da nossa história. Muito menos com a nova proposta de Reforma da Previdência de Armínio Fraga e Paulo Tafner que cria um benefício mínimo universal e pretende retirar da Constituição os benefícios previdenciários, para que possam ser detalhados em lei complementar, com a ideia de flexibilizar eventuais futuras mudanças. Desconstruir as conquistas constitucionais é inadmissível.
Tampouco será por meio de um sistema de capitalização, aos moldes de Pinochet nos anos 80, que iremos avançar. As reformas paradigmáticas, realizadas em países como Argentina e Chile, de mudança de regime e corte nos benefícios, geram conflitos sociais profundos, causam problemas fiscais devido aos altos custos de transição e a separação da previdência social da Seguridade Social. Diferente desses países, o Brasil preservou o modelo solidário de repartição simples. Então, vamos pagar para ver? vamos colher os frutos amargos como fez o Chile, 40 anos depois da implementação? não é isso que a nossa população merece!