Como a liberdade de um traficante nos ensina sobre a relação dos Três Poderes?

Ministro Marco Aurélio STF
Ministro Marco Aurélio se aposenta no STF após 31 anis como ministro /Arquivo/STF
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Texto de Noemí Araújo 

A grande parte de vocês sabe que existem três Poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário. Muitos estão até cansados de ouvir sobre suas competências e as interferências constantes de um no outro. Mas quando temos um caso concreto para analisar é possível que consigamos ampliar nosso entendimento de como essa tripartição do governo se revela nos aspectos práticos, a casos que muitas das vezes não nos parece tão óbvio.

Primeiro, é importante que não se confunda: o Poder do Estado é um só, indivisível, mas suas funções são repartidas em três; garantido, no entanto, a harmonia e independência entre elas, como descrito nos temos do art. 2º , combinado com o inciso II, do §4º do art. 60 da Constituição. Inclusive, já abordei aqui como funciona a função de cada um e a relação entre eles (volte alguns artigos). Mas hoje, a proposta é apenas mostrar como essa relação se mostra em situações que, inicialmente, poderíamos julgar ser algo que apenas cabe à ‘justiça’, mas que revela o envolvimento direto do Congresso Nacional e do Presidente da República.

Ainda em 2019, enquanto ministro da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro, em conjunto com uma comissão de juristas – coordenada pelo ministro Alexandre de Moraes -, elaborou uma proposta robusta, denominada Pacote Anticrime. Ou seja, o Poder Executivo (na figura do Ministro de Estado) propôs um conjunto de alterações na legislação brasileira com o intuito de aumentar a eficácia no combate ao crime organizado, ao crime violento e à corrupção, entre outras mudanças em dispositivos do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei de Execuções Penais.

Recebida pelo Congresso Nacional, os parlamentares modificaram partes do texto e incorporaram novos pontos (emendas) que, inclusive há época, foram criticados pelo então ministro Moro que recomendou o veto ao presidente Jair Bolsonaro justamente no que se referia à revisão das prisões preventivas a cada 90 dias, que se não reavaliadas, tornam-se ilegais. Nessa segunda fase, o Poder Legislativo recebe a proposta do Executivo e aprova alterações a ele, que retorna ao Executivo (agora na figura do Chefe, o Presidente) para sanção ou veto. Nesse caso, o Presidente sancionou com as modificações e passou a vigorar a Lei nº 13.964, de 2020, desde 24 de dezembro de 2019, valendo novas regras para acordos de delação premiada, novos critérios para definição de legítima defesa e a previsão de prisão imediata após condenação pelo tribunal do júri.

No último sábado (10), o ministro Marco Aurélio, concede 79 pedidos de solturas, entre eles o habeas corpus em favor do traficante André Oliveira Macedo (André do Rap, do PCC, com duas condenações em segundo grau, por tráfico transnacional de drogas; preso desde setembro de 2019 com pena de 25 anos) com base em um trecho do pacote anticrime, justamente no que se refere à revisão das prisões preventivas. Horas depois, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, suspendeu a decisão e determinou o retorno de André à prisão; mas já era tarde. Ele já está foragido e, inclusive, consta na lista de procurados pela Interpol.

A questão é que, de forma direta e simples, o Poder Judiciário, na figura do ministro Marco Aurélio apenas cumpriu a lei que teve seu texto aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Poder Executivo; que em suas palavras destacou: “Ministros devem se manter distantes da coleta de provas e formulação da acusação”. No entanto, agora o STF levará o caso do traficante para análise do plenário do tribunal hoje (14). O que na minha humilde opinião deveria ter sido feito antes, em decisão colegiada,  não depois de uma decisão monocrática, mesmo que represente a Corte, tendo por base a lei vigente.

Não temos apenas um culpado. O réu é o principal, por óbvio. Mas o que fica evidente é a clara relação entre as decisões tomadas pelos Poderes que recai diretamente entre eles e os incubem de responsabilidade solidária. Por isso a importância do diálogo, dos freios e contrapesos e da real necessidade de aprovação de normas assertivas, além de uma crítica e rigorosa avaliação de cada caso concreto, sob pena de termos decisões que permitam que condenados de alta periculosidade coloquem em risco a segurança da população ao serem soltos indistintamente.

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