A China também não perde a América Latina de vista, mas usa a geoeconomia para fortalecer sua presença regional
Por Marcelo Rech – DF
A administração Trump completou 100 dias e até o momento, as atenções da Casa Branca para a América Latina estão circunscritas a tarifas e deportação de ilegais, mas o cara-a-cara de Donald Trump com os mandatários da região deve acontecer em outubro quando será realizada a 10ª Cúpula das Américas, na República Dominicana.
Até lá, no entanto, a região poderá passar por uma reconfiguração política. Este processo teve início em fevereiro com as eleições presidenciais no Equador, concluídas em abril com a reeleição de Daniel Noboa, o preferido de Washington.
Em agosto, será a vez dos bolivianos irem às urnas. No dia 17, o atual presidente Luis Arce, disputará a reeleição pelo partido de esquerda Movimento ao Socialismo, criado por Evo Morales, inelegível, mas que insiste que estará na disputa. Arce e Morales agora são rivais e a esquerda no país está fraturada.
Por outro lado, não há nomes da oposição capazes de ameaçar a hegemonia do MAS.
Localizada no coração da América do Sul e rica em lítio e gás natural, a Bolívia desperta interesse dos EUA e da China. Além disso, o país é um dos grandes produtores mundiais de cocaína – Evo Morales chegou ao poder graças a força dos cocaleiros.
Em 26 de outubro, os argentinos participam das eleições legislativas, consideradas cruciais para os planos de Javier Milei e seus adversários, que disputarão as presidenciais em 2027. Ainda sem uma base legislativa sólida, Milei vem surpreendendo com a recuperação econômica do país e espera fazer maioria nas duas Casas do Congresso.
Javier Milei e Donald Trump têm se aproximado cada vez mais e os EUA enxergam na Argentina, o país a ser beneficiado, principalmente com o distanciamento cada vez maior do Brasil. Trump aposta na parceria e um tratado de livre comércio entre eles poderá implodir de vez o Mercosul, além de afetar os interesses comerciais da China.
No dia 16 de novembro, os chilenos escolherão seu novo presidente e os membros do Parlamento. Gabriel Boric concluirá seu mandato firmando-se como a nova cara da esquerda latino-americana, moderna e gerada após o fim da Guerra Fria. Boric não economiza nas críticas aos regimes autoritários de Cuba, Nicarágua e Venezuela.
A direita chilena ainda fortemente associada ao pinochetismo, tem grandes chances de voltar ao poder, graças ao fracasso de Boric em reformar a Constituição e em fazer frente aos desafios à segurança, com o crescimento da violência, do crime organizado e do narcotráfico.
Ainda em novembro, no dia 30, Honduras da presidente Xiomara Castro, terá eleições gerais. Xiomara liderou até abril, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e é a esposa do ex-presidente Manuel Zelaya, um dos homens mais ricos do país e que caiu quando tentou perpetuar-se do poder.
Honduras é um dos países mais corruptos e violentos da América Central e a oposição tem chances reais de chegar ao poder, mas precisará estar unida em torno de um nome crível. Para os EUA, apesar de pobre e sem recursos naturais, Honduras é estratégica para seus interesses no entorno.
Os EUA, apesar do pouco caso aparente, monitoram esses processos e esperam que a região passe por uma nova guinada à direita ou, na pior das hipóteses, ao centro. Caso isso ocorra, mecanismos como a Celac e a Unasul, instrumentos usados pela esquerda para reverberar sua agenda política, serão enfraquecidos.
A China também não perde a América Latina de vista. A diferença é que para Pequim, tanto faz se a esquerda se consolidar ou se a direita recuperar espaço. Pragmática, a China usa a geoeconomia como ferramenta para fortalecer sua presença regional e ampliar a força que já possui na América Latina.